sábado, 1 de março de 2008

Teatro: Antropofagia

Antropofagia
Personagens:
Agostinho – Brasileiro
Andrade – Português
Wagner - (fala português com sotaque alemão)
Vizinhas – uma actriz que faz de três
Inspector da Policia
Juiz – mesmo actor que faz Andrade

Cena 1
Prólogo
Wagner iluminado em frente do pano fala ao microfone de lapela instalado numa flor que tem ao peito.


Wagner – (sem amplificação) Quando demasiado se espera, ficámos reféns... Um, dois...um, dois...(bate com dedo para experimentar microfone que finalmente funciona) Quando demasiado se espera, ficámos reféns da última palavra…(ruído intenso das colunas de som) quais foram as últimas palavras? Não aquelas ditas, pois antes de morrer ninguém tem nada para dizer — mas os últimos pensamentos. Aquele último encadeamento lógico. Diz-se que nesses momentos finais, só temos um pensamento: "o que devo eu pensar agora”

Eles ao longe se conheceram. Um acordo fizeram e antes mesmo de se encontrarem, um disposto a tudo o outro disposto a segui-lo. Depois mantiveram a palavra?!

Num dos paradoxos de Zenão, a seta nunca chega ao alvo, pois a distância que os separava pode ser dividida ao infinito, também nesta historia se fala de divisão... Não é certamente fácil dividir por igual os nossos protagonistas, mas com gestos meticulosos tentarão fazer o que ninguém fez; o que nenhuma lei humana jamais concebeu no seu horizonte de possibilidades; o que o tempo não tem maneira de digerir e esquecer; onde homens santos falham e amantes se separam...
Antes de vir aqui ter convosco perguntei-me: queres mesmo estar presente neste gesto tão intímo?

Descobri a resposta quando coloquei a possibilidade que, aqui, esta noite, poderiam ocorrer situações dignas de ficarem na História ou, se não nessa, pelo menos na jurisprudência. Quem sabe uma nova civilização, uma religião pode nascer dum teatro destes. E sem um mestre de cerimónias esse nascimento ficará perdido ou guardado apenas no intímo de um espectador que pode nem aperceber-se do que viu.

Nunca sabemos no sofrimento humano se estamos diante de um Cristo! Alguém deverá testemunhar que do mais miserável esgoto nasce um salvador. Na mais desamparada criatura se ganha e perde o sentido e a fé dos homens...por milénios.
Se Deus existe, é sem dúvida a Ele que devemos dirigir uma prece de agradecimento por esse alimento, Ele está connosco à mesa. Se não existe, sabemos que algo foi criado e alguém O tentou mandar de novo para o nada.

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